sábado, 3 de setembro de 2011

No RN, apenas 6% dos presos estudam

No Presídio Estadual de Alcaçuz, o maior do RN, aulas são ministradas em salas improvisadas











Dos 7.582 presos do Rio Grande do Norte - incluindo os que estão detidos em Delegacias de Policia Civil - apenas 413, ou seja, 5,44% , estão em sala de aula. Estudam séries iniciais ou finais do ensino fundamental;  ensino médio ou estão na Alfabetização de Jovens e Adultos. A baixa proporção de presos deixa à mostra a dificuldade de efetivar, com sucesso, uma política educacional nos presídios.

Segundo dados da Subcoordenadoria de Educação de Jovens e Adultos (Sueja), da Secretaria Estadual de Educação houve retrocesso no estado. Em 2010, 450 presos, em média, estudavam em presídios e Centros de detenção provisória. Os dados da Sueja divergem dos oficiais, disponibilizados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Segundo o Depen,  em dezembro de 2010, o estado era o sexto pior em proporção de presos que estudavam à época. Estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes, a partir de dados do Depen, mostrou que em dezembro/2010 o percentual era de 2,4%. Na época, dos 6.123 presos um total de 147 criminosos estavam estudando.

Este ano, a Sueja não conseguiu implantar turmas no Presídio Estadual de Parnamirim (PEP); na Penitenciária Federal de Mossoró; no Ceduc e nos CDP's do Parque Industrial, em Parnamirim, e da zona Norte. Mesmo no Centro de Reintegração Social, em Macau, que usa a metodologia da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) e foi criado para ser referência, nenhuma turma foi  aberta este ano.

Desde o início de julho, a lei 12.433 prevê a remição de pena por estudo. Os sentenciados garantiram o direito de abater um dia de pena a cada 12 horas de frequencia escolar.   Os maiores obstáculos para uma ampla oferta do ensino em prisões está no fato de que o acesso a esse serviço é visto como "privilégio" e não como direito, segundo a técnica da Sueja, Rosa de Fátima Oliveira, que coordena parte da educação prisional. "A maior dificuldade, se constitui num desafio mesmo, é a concepção do que seja o ato de cumprimento da pena. Se cumprir a pena é fechar o cidadão numa cela ou se é reeducá-lo, prepará-lo para ele conviver em sociedade e retomar sua vida", afirma. Falta, disse ela, compreensão.

Os principais problemas são a falta de estrutura adequada e de pessoal. Nenhum dos presídios do estado são construídos prevendo essa assistência educacional. "Com exceção do presídio de Caicó, onde foram construídas salas de aula, não existe espaço específico adequado para que se ofereça a educação minimamente", disse a técnica.

Apesar disso, a lei a 12.245, de 24 de maio de 2010, que altera o art. 83 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal -  autoriza a instalação de salas de aulas nos presídios. Pela lei, devem ser instaladas salas de aula destinadas a cursos de ensino básico e profissionalizante em todos os presídios do país.  Também há deficit de agentes penitenciários para auxiliar nesse o trabalho dos professores, fazendo a vigilância nas salas de aula e o deslocamento dos presos do pavilhão até a sala de aula.

A escassez de professores também é outro problema. Hoje, o programa trabalha com apenas sete professores da rede e 13 estagiários contratados pela Escola de Governo. "Há alguns critérios básicos para que esses professores sejam contratados e nem sempre nas cidades onde oferecemos o trabalho tem estagiários com as licenciaturas para as quais nós precisamos ofertar a educação aos apenados", explicou Rosa. Ela considera que a mentalidade dos gestores dos sistema penitenciário já mudou nos últimos anos, mas o estado ainda está longe de proporcionar um acesso amplo  na educação prisional. "Para que aconteça a contento, é preciso que ter interesse das pessoas em realizar o trabalho, uma organização e um espaço destinado". Ela disse que isso aconteceu em Caicó, onde a educação prisional é referência.

Analfabetismo chega a 14% nas cadeias do RN

A demanda por educação é muito maior do que a oferta. Em dezembro de 2010, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen),  51,90% dos presos do Rio Grande do Norte não possuíam o ensino fundamental completo. Desses, 14,01% são analfabetos. No presídio estadual de Alcaçuz, a história de vida dos presos confirmam essa estatística.

Atualmente, 60 presos estão matriculados na alfabetização. O coordenador do Sistema Penitenciário do Rio Grande do Norte, José Olímpio da Silva José Olímpio, reconhece que ainda é pequeno o número de presos que estudam, mas diz que o estado tem feito esforços para aumentar a reinserção social. Ele acredita que a ressocialização é possível, em boa parte dos casos.

"Pela experiência que já temos, os projetos de educação ajudam a mudar a vida para os que querem essa ressocialização. Mas quem tem índole de crime não muda". Segundo ele, os que mais progridem nos estudos são aquelas pessoas presas por crimes passionais. Mais de 90% são ressocializados. É a mesma opinião do diretor do presídio de Alcaçuz, Marcos Antônio de Oliveira Lisboa.

O alfabeto, até bem pouco tempo, era desconhecido  para Francisco das Chagas, 38 anos. Ele começou a menos de um mês. "Já peguei a turma na metade, não sabia nem pegar no lápis, mas já aprendi muito", contou. Em Alcaçuz, menos de 15% dos matriculados estão estudando. A atividade era um caça-palavras, que Francisco procurava completar. Ele cumpre pena há 4 anos, condenado por homicídio.

Na mesma sala, Genilson Vicente da Silva, 37 anos, já estuda há mais tempo: 8 meses. "Não sabia ler, hoje já identifico os nomes, faço meu próprio nome e o nome dos meus filhos. Vou poder recomeçar a vida bem melhor", disse esperançoso. Por assaltos, Genilson foi condenado a 43 anos. Está em Alcaçuz há dois anos. Quem estuda, como ele, espera poder usufruir da nova lei.

"É uma boa esse benefício, para quem quer alguma coisa com a vida", disse Maurício Barbosa da Silva, 38 anos. Em Alcaçuz há dois anos, cumprindo pena de 13 anos e 9 meses, por homicídio. Como a maioria, não frequentou a escola. "Tinha que ajudar meu pai na roça. Nunca tive oportunidade de ir à escola. Hoje já sei fazer uma cartinha pra minha filha". Ele espera sair em, no máximo, dois anos e acredita que a vida, fora do presídio terá boas perspectivas.

No EJA (Educação de Jovens e Adultos), sala ao lado da Alfabetização, Oswaldo Pereira de Aguiar, 57, condenado a 40 anos pelo assassinato da menina Maisla Mariano, em 2009, está na sala de aula "para não perder a prática dos estudos e não esquece ro que já aprendeu". Antes de chegar ao Rio Grande do Norte, estou até a 5ª série. Era ambulante, quando foi preso em Natal. "melhor está aqui, estudando do que lá fora ouvindo certo tipo de conversa".

Se tiver liberdade, disse, não pretende ficar no estado. "A não ser que apareça o legítimo criminoso, não vou poder ficar por aqui", revelou. No Rio Grande do Norte, o trabalho de educação prisional começou em 1979, por iniciativa da Pastoral Carcerária, da Arquidiocese de Natal.

Bate-papo

Joseti Alves Moreira  » Professora no Presídio Estadual de Alcaçuz

Licenciada em Matemática, Joseti ensina na educação prisional desde 1978. Atualmente, dá aulas para presos do Presídio Estadual de Alcaçuz. Confira a entrevista.

Está realizada com esse trabalho?

Muito. No Estado, eu estou há dois anos pra me aposentar,  e não quero. É um trabalho sério, muito bom, e que precisa de alguém à frente, que puxe o trabalho. A ressocialização é possível,  se tiver apoio.

Algum dos seus alunos chegou a ingressar no ensino médio ou universidade?

Tenho alunos que hoje são professores. Tem um que é professor da rede estadual. Quando pego um aluno que começa a ler as sílabas, isso é muito gratificante.

O que precisa para a educação ter sucesso?

Primeiro, o preso precisa, primeiramente, acreditar. E a sociedade também. Agora, o mais importante também não é feito. Quando o preso sai daqui como ele vai fazer, que apoio ele tem? Nenhum. Hoje, ele está aqui no presídio está tudo muito bom, está contido. Mas quando ele chegar lá fora, ele não vai encontrar apoio. O sistema obriga ele voltar. Você colocaria um jardineiro, sabendo que ele é um traficante ou assaltante na sua casa para cuidar do seu jardim?

Em algum momento teve medo de entrar nos presídios para ensinar?

A minha família não aceitava não. Meu pai nunca gostou. Meu avô que era sargento da Polícia Militar não gostava nem um pouco. Mas eu fui assim mesmo. Eu não temia. Apesar de muita gente fazer medo. Mas nunca tive problema com nenhum preso. Tive assim, eu muito jovem então dois presos se apaixonaram por mim. E eu tirei eles da lista. Disse, então, não dava certo. Não estou aqui para me envolver com vocês, estou aqui para lhe ajudar. Mas nunca tive medo.

E hoje?

Este ano, minha filha fez o curso de alfabetização e veio ensinar aqui. Eu disse a ela que se para o meu currículo tinha sido bom, para o dela também ia ser. Então deixei que ela viesse. Mas por ela eu temi. Não sei porque. Mas graças a Deus, do jeito que eles me trataram, quando jovem, trataram ela, com muito respeito.

Você diria que houve avanço ou retrocesso?

No caso de Natal, foi um retrocesso grande, imenso. Principalmente, aqui no presídio de Alcaçuz está praticamente parado. Começa pela dificuldades de os professores quererem vir, a localização, como chegar até aqui. Eu tiro uma parte do meu salário para fazer alguma coisa pela sala de aula. Eu sei que é obrigação do estado, mas eles não fazem. Então, como eu quero ensinar aqui - porque ensinar aqui está melhor do que ensinar lá fora. Quem está muito bem, é Caicó, e só. Mas é pelo seguinte: todos os segmentos estão juntos para que tudo continue. Há boa vontade.

Como é o comportamento do aluno no presídio?

Aqui, os presos têm a noção de que devem aproveitar o tempo que perderam quando fugiram da escola. O cuidado e o respeito que eles tem conosco é imenso. Na escola da rede, quando os alunos eram agressivos, grosseiros, eu comentava que nunca tive por parte de aluno dentro de uma unidade penal o desrespeito e a falta de consideração que tinha lá. Tive que me aposentar na escola da rede porque não estava suportando os adolescentes. Entrei em depressão. Voltei pra cá, não tive mais depressão, não tive mais nada. Fiquei boa.

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