Gustavo Morita |
Na EE Professora Marta Terezinha Rosa, em Mauá (SP), professores assumem rumo de sua formação e preparam o material para levar ao HTPC, com foco pedagógico. |
Pesquisa da Fundação Victor Civita sobre o perfil dos diretores escolares, divulgada em agosto de 2009, constata que os gestores dedicam seu tempo mais a tarefas administrativas e menos a questões pedagógicas. Exemplo disso é que 38% acompanham o que é discutido nos HTPCs (Horários de Trabalho Pedagógico Coletivos) apenas uma vez por mês, enquanto menos da metade (42%) o fazem semanalmente, e somente 10% todos os dias. Em contrapartida, o estudo revela que, diariamente, 90% verificam a produção da merenda, 84% supervisionam os serviços de limpeza, 63% o fornecimento de lápis e papel e 45% tratam de questões burocráticas.
Mas se, por um lado, cuidar dessas tarefas administrativas toma um tempo considerável do diretor, que poderia ser utilizado para o acompanhamento da aprendizagem dos alunos e formação dos professores, por outro, a falta de infraestrutura e pessoal em muitas redes e escolas determina que, se o gestor não se encarregar dessas questões, ninguém mais o fará.
A saída é dosar a dedicação. É o que explica Cíntia Mendes, coordenadora pedagógica da rede municipal de Presidente Prudente, que defendeu em 2008 a tese de mestrado "HTPC: Hora de Trabalho Perdido Coletivamente?" pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Como as questões burocráticas sempre são urgentes e aparecem mais, todos os gestores trabalham para resolvê-las, porém não podemos dizer que tais questões não têm reflexos diretos sobre as pedagógicas. Uma não é a outra, mas estão interligadas", analisa. Por isso, Cíntia defende que se planeje o tempo contemplando as atividades de urgência, mas tendo em vista a importância da dedicação à parte pedagógica.
"A realização das tarefas burocráticas é responsabilidade de todos os profissionais do núcleo da direção, inclusive do orientador. O problema é que a urgência das atividades administrativas faz com que elas sejam muitas vezes não só prioritárias, mas as únicas a serem consideradas." Apesar do impasse, a pedagoga acredita que a solução é simples: bastaria uma reunião semanal de no máximo duas horas entre a equipe gestora, incluindo orientadores, diretores e coordenadores, para distribuir tarefas e decidir coletivamente como será o emprego de tempo de cada um.
Helena de Freitas, coordenadora geral de Formação de Professores da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), observa que uma das críticas feitas ao HTPC - que consiste em reuniões semanais com os professores, conduzidas pelos orientadores, para tratar de assuntos exclusivamente pedagógicos - é que, devido à sobrecarga de trabalho dos profissionais, é o único momento possível para a reunião da equipe, e por isso é utilizado para discutir todo tipo de problema. "Está se criando uma cultura na rede pública que deve se desenvolver nos próximos anos, de que esse tempo não é para discussão administrativa, mas pedagógica. Outros problemas podem ser resolvidos de outras formas. Muitas escolas não têm um espaço para proporcionar essas trocas entre a equipe, então acabam usando o HTPC para tudo. Assim, o lugar de estudo, trabalho e reflexão é prejudicado para o exercício do trabalho."
Para a coordenadora, esse desafio esbarra em outras questões estruturais da educação brasileira, como o fato de o professor muitas vezes se dividir entre duas ou três escolas, não podendo assim destinar seu tempo efetivamente ao planejamento e avaliação pedagógica de nenhuma delas. "O ideal seria que o professor se dedicasse a um só emprego e ali desenvolvesse bem seu HTPC, seus projetos, suas relações, e pensasse de fato no político-pedagógico da escola", diz.
Responsabilidade de quem?
Ainda que a lei diga que o profissional que deve conduzir o HTPC junto aos professores é o orientador pedagógico, ele, por sua vez, precisa tratar com os diretores das questões discutidas durante a reunião. Na teoria, os limites das tarefas de cada um estão claramente divididos, mas na prática escolar é mais difícil separar o papel individual na condução dos trabalhos. Segundo Helena, a responsabilidade do diretor é articular os professores, pautar os temas de discussão da reunião, pensar em como inserir esse tempo de trabalho na organização escolar e reservar um ambiente adequado para a atividade. "Muitas vezes o HTPC tem de ser feito na lanchonete, entre uma aula e outra, então o diretor precisa cuidar disso e solicitar para sua secretaria a infraestrutura adequada", afirma.
A função do orientador pedagógico, de acordo com ela, é não transformar o HTPC em uma rotina burocrática, ou seja, marcar a reunião sem que haja planejamento, cronograma e pauta para a discussão. Ele deve oferecer assistência e trabalhar a dificuldade de cada professor, para então sintetizar as questões e encaminhá-las ao diretor. "O diretor tem mais o papel de observar a escola como um todo, porque deve cuidar das condições para que o HTPC se desenvolva de maneira adequada. O coordenador pedagógico tem um olhar mais próximo, pode pensar nas dicas e orientações específicas para cada docente, em como vai lidar com o problema de cada um", explica.
Helena observa que não é obrigação do gestor acompanhar diretamente o HTPC, pois está presente por meio do trabalho articulado com o orientador pedagógico. "É uma questão de entender qual é o papel do diretor. É um profissional que cuida da política mais geral de formação, pode compartilhar as tarefas administrativas com supervisores da secretaria e as pedagógicas com os orientadores", diz a representante da SEB. "Não é fácil falar isso, porque hoje a escola está muito isolada, achando que tem de dar conta de tudo sozinha. Mas é preciso saber quais são as atribuições diretas do diretor, entender que ele não precisa resolver tudo, tem de gerir uma equipe. Muitas questões administrativas podem ser confiadas a técnicos, que passam a ser gestores de uma dimensão específica da escola. Como uma merendeira, no caso da merenda."
Por dentro do HTPC
A legislação determina que os Horários de Trabalho Pedagógico Coletivos devem ser desenvolvidos dentro da escola pelos professores, com orientação do coordenador pedagógico. Para cada 10 a 27 horas na sala de aula, os docentes devem dedicar duas horas para essas reuniões, e três no caso de 28 a 33 horas de aula. O objetivo primordial estabelecido é criar um espaço de discussão e formação para fortalecer o projeto político-pedagógico da escola. Isso significa articular as disciplinas, estudar, atender a problemas enfrentados pelos docentes, trocar experiências, discutir planejamento e avaliação e estimular a reflexão sobre a prática docente. Para que isso aconteça, é importante haver uma boa estrutura para o debate, com metas e cronogramas.
"Se o professor não tem um lugar para buscar alternativas coletivas, é muito difícil enfrentar o trabalho. A ideia do HTPC nasce da gestão democrática da escola para lidar com desafios. A docência exige planejamento anterior, avaliação posterior e uma discussão coletiva", alerta Helena, da SEB/MEC.
Cada escola e rede tem uma maneira diferente de lidar com seus HTPCs, mas o essencial é se organizar para discutir como os alunos estão se desenvolvendo e como os professores têm lidado com isso em sala de aula. "Precisam pensar coletivamente em que materiais utilizar, que apoio vão precisar, que tipo de estudo e formação. O HTPC serve para analisar problemas que os docentes enfrentam no cotidiano e entender como equacioná-los", afirma Helena.
Experiência que deu certo
Na EE Professora Marta Terezinha Rosa, em Mauá (SP), são os professores que preparam o material para levar para o HTPC, focado em formação. "Discutimos sequência didática, metodologia de trabalho... Um deles propõe um tema por semana e trabalha com todo mundo", explica a diretora, Rita de Cássia. Na escola, são realizados três HTPCs, de duas horas semanais cada, um para cada ciclo (fundamental I e II e médio), desenvolvido por um coordenador pedagógico diferente. Separar disciplinas ou ciclos ajuda no foco e aprofundamento do trabalho.
Cíntia Mendes, da secretaria de Presidente Prudente, avalia que é importante esse nível de envolvimento dos docentes com a pauta do HTPC. "O professor precisa assumir os rumos da sua formação e ver na interação com o outro a oportunidade de aprender e fazer melhor o seu trabalho." Para ela, o fato de a formação ser remunerada e estar dentro da carga horária e do local de trabalho faz com que o professor se coloque como participante ativo e responsável por sua formação, por sua prática e pelo reflexo desta na aprendizagem dos alunos.
Vilma Pinto, coordenadora do ensino médio, explica que as disciplinas trabalhadas no HTPC são diferentes, mas as competências são as mesmas. Assim, por meio de um tema geral, conseguem trabalhar as habilidades da prática docente. Quanto às questões burocráticas, afirma não enfrentar muitos problemas por saber colocar limites. "Alguns professores trazem questões fora das pedagógicas, mas como o HTPC é voltado 100% para a parte pedagógica, tentamos não entrar na parte administrativa para não perder o foco. Separamos 10 minutinhos no final, senão o horário se inverte e se torna apenas administrativo", diz.
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